Secas prolongadas: estudo revela que 72,4% das meninas e adolescentes em contexto de pobreza foram vítimas de violência sexual no semiárido
Estudo da Associação de Pesquisa Iyaleta, “Semiárido em perspectiva de gênero: violências sexuais contra meninas e adolescentes e os efeitos dos períodos prolongados de seca”, revela que meninas e adolescentes que moram no semiárido brasileiro em contexto de extrema pobreza são as principais vítimas violências sexuais de acordo com o sistema de notificação de violência do SUS, no período de 2019 a 2022. Ao todo, o estudo analisa cerca de 3 mil notificações. De autoria da Drª Emanuelle Góes, pesquisadora sênior e integrante da Coordenação Científica da Associação de Pesquisa, a publicação apresenta evidências sobre Violências Baseadas em Gênero (VBGs) diante do fenômeno da seca, evento climático extremo de longa duração como as estiagens e com efeitos na escassez hídrica no Semiárido Brasileiro. O estudo reúne dados sobre a falta de serviços adequados de água e saneamento básico, e os impactos na violação de direitos na vida de meninas, adolescentes e mulheres do semiárido brasileiro.
O estudo revela que aproximadamente 81,44% das crianças no Semiárido vivem em domicílios de baixa renda. Com isso, no contexto de adensamento das mudanças climáticas, com estiagens progressivamente mais longas, as violências de gênero apresentam-se como fator de risco.
A escassez permanente de água decorrente da seca prolongada atinge ainda hoje cerca de um quarto da população do semiárido em extrema pobreza.
Ainda 68% das pessoas que residem em contexto de extrema pobreza tenham abastecimento por meio da rede geral de água, a população também recorre a outros meios como poços ou nascentes fora da propriedade (7,54%), rios, açudes, lagos ou igarapés (5,98%), somando 13,52% do contingente populacional do território. Ao mesmo tempo, cisternas alcançam somente 5,1% das residências do semiárido em extrema pobreza.
No semiárido, os cenários de adensamento das VBGs contra meninas e adolescentes podem estar relacionados com a escassez de água. A falta de uma infraestrutura de abastecimento de água é um fator de vulnerabilidade para violência contra meninas, adolescente e mulheres, durante a caminhada para buscar água. Para este contexto, os tipos de violência sexual mais sofrido por elas foram estupros (75,80%) seguido de assédio sexual (22,47%) e 3,29% para exploração sexual.
É reconhecido que as mudanças climáticas e os eventos extremos geram e adensam as Violências Baseadas em Gênero (VBG). Com isso, é necessário que os países e as realidades locais sejam visibilizados, considerando os contextos prévios de desigualdades baseada em gênero na sua intersecção com raça, geração, território e outros marcadores de opressão correlatos. Pois, esse contexto tem gerado efeitos diretos e indiretos à saúde sexual e reprodutiva de meninas e mulheres.
Ao evidenciar a profundidade das desigualdades para aquelas que vivem no semiárido em extrema pobreza e apresentar à agenda de mudanças climáticas e as violências de gênero como obstáculo para a adaptação climática, o Caderno Iyaleta Vol. 6 “Semiárido em perspectiva de gênero: violências sexuais contra meninas e adolescentes e os efeitos dos períodos prolongados de seca” também aponta para desdobramentos em maternidade e gravidez na adolescência, arranjos conjugais precoces e falta de acesso a serviços de saúde.
“O estudo se dedica a observar como as violências baseadas em gênero se constituem como um determinante para aquelas meninas, adolescentes e mulheres que vivem em contexto de escassez de água, sendo as responsáveis em manejar todo processo de acesso a água para sua família, moradia e comunidade. Com isso são elas que apresentam maior risco de sofrer violências sexuais em busca desse recurso básico”, explica Emanuelle Góes.
Meninas e adolescentes que vivem nos municípios do Semiárido em extrema pobreza apresentam percentuais maiores para algum tipo de arranjo conjugal, como casada ou unida. Em 2022, meninas de 10 a 14 anos que viviam dentro do semiárido em extrema pobreza estiveram mais envolvidas em arranjos conjugais (22,13%) do que as meninas que estavam fora deste território (13,13%) com uma diferença de 10%.
Os eventos climáticos extremos estão associados a um aumento da violência baseada no gênero e são frequentemente relacionados a insegurança econômica e alimentar, o stress mental e uma maior exposição as hierarquias de gênero.
O Caderno Iyaleta Vol. 06 integra a segunda fase do projeto de pesquisa “Adaptação Climática: uma intersecção Brasil 2030”, da Associação de Pesquisa Iyaleta com apoio institucional do Instituto Clima e Sociedade. O estudo aponta evidências para formulação de estratégias de adaptação climática baseada na equidade de gênero e justiça reprodutiva, diante dos efeitos dos eventos climáticos extremos na vida e na saúde de meninas e mulheres, como no Semiárido e nos demais contextos urbanos nacionais. Uma ação diante das mudanças climáticas que reconhece as questões de gênero impostas as meninas e mulheres pode contribuir na mitigação do ciclo das Violências Baseadas em Gênero, em termos gerais, e eliminar o ciclo, em termos específicos, para aquelas que estão associadas aos efeitos direitos e indiretos dos eventos climáticos extremos.
A Associação de Pesquisa Iyaleta é um Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT), registrada como sociedade científica e tecnológica no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tem por finalidade promover pesquisas, formações, incidência e comunicação no campo das ciências. É também organização observadora da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Mais informações: comunicacao@iyaleta.org
Telefone: +55 71 99187-0907