Não é possível reduzir desigualdades e adaptar silenciando a natureza das cidades
Diosmar Filho¹
As negociações para aprovação dos objetivos globais de adaptação – GGA na 28ª Conferência das Partes (COP28) no Emirados Árabes Unidos (EAU), em dezembro 2023, já pode ser vista pela incerteza, diante do que podemos chamar de determinismo florestal neoliberal.
Protagonizado nas metas capitalizadas de redução da temperatura do planeta em 1,5°C e tornando invisível à vida de mais de dois quartos da humanidade que vive nos ecossistemas urbano global.
O impasse nesse momento se dá nos movimentos dos governos nacionais que deixam de lado a responsabilidade com as condições de vulnerabilidade climática das populações urbanas, para negociarem ativos naturais no mercado do não desmatamento, não poluição, não emissão de gases de efeito estufa e pela exploração massiva de minérios, ventos, luz solar e privatização das terras e florestas do Sul Global.
Após sete anos da aprovação do Acordo de Paris e todo o empenho da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), o ecossistema terrestre nunca esteve tão vulnerável ao aquecimento da temperatura e a perda da biodiversidade como no momento que estamos vivendo. Se o ecossistema terrestre está em vulnerabilidade, isso significa que a humanidade em totalidade está vivendo a sua fase mais perversa.
Dessa maneira, tornam-se violentos os governos nacionais e subnacionais diante do conhecimento dos dados sobre vulnerabilidades, impactos, condições de saúde e aquecimento superficial urbano, devido as mudanças do clima, silenciar em nome do determinismo florestal neoliberal as mortes, os desaparecidos e os desalojados pelos eventos climáticos extremos que têm produzido grandes tragédias e aprofundado as desigualdades nas cidades da América do Sul, África, Ásia e Oceania.
Vidas humanas estão sob impacto às mudanças do clima, e os dados sobre condições de saúde tendem a se agravar nos próximos anos, caso nada seja efetivo e implementado para redução das desigualdades nos territórios marcados pelas violações de direitos humanos e pelos sistemas de escravismo e a exclusão socioeconômica da maioria populacional –, é o que evidencia o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (2022), para a mitigação e adaptação climática.
Neste aspecto, o resultado da reunião de ministros de estados do Meio Ambiente e Clima do G20, em julho deste ano, na Índia, foi marcada pela não aprovação de qualquer documento sobre as negociações climáticas. Um silencio em espaço global para as mortes que vão se somando a cada grande tufão, tempestade e o El Nino que estão acometendo a vida de milhões de pessoas nas cidades dos continentes África, Ásia e na região da América Latina.
Assim como, não é possível compreender que Chefes de Estado Membros da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), se reúnam na cidade de Belém e não tenham como gravidade os dados que indicam que, no ano corrente, cerca de 400 mil pessoas arriscam à vida na Selva de Darién entre a Colômbia e o Panamá, uma legião de migrantes que foge dos eventos extremos e das violências humanas em “busca de uma esperança”, dispostos a morrer para alcançar os muros racistas e xenofóbicos estadunidenses.
Se os ministros de estado no G20 não assinaram uma declaração, os presidentes reunidos em Belém assinaram a Declaração Presidencial por ocasião da Cúpula da Amazônia – IV Reunião de Presidentes dos Estados Partes no Tratado de Cooperação Amazônica, com recomendações e propostas para salvar a floresta amazônica. Contudo, é constrangedor saber que as populações urbanas que hoje morrem, ou são desalojadas e desaparecem pelas chuvas extremas e cheias nas cidades amazônidas – foram relegadas às desigualdades e ao “salve-se quem puder”.
Segundo análise sobre governança de desastres e riscos nas regiões Norte, Nordeste do Brasil, realizado pela Associação de Pesquisa Iyaleta (2022), no que se refere à ocorrência de óbitos do ano do desastre natural de maior impacto, também é no Norte que os municípios da região se destacam, representando 7,62% dos municípios que informam a ocorrência. Os dados mostram que 74,65% das pessoas impactadas e/ou desalojadas, entre 2013 e 2023 habitavam as regiões Norte e Nordeste, sendo 38,29% na região Norte e 36,36% na região Nordeste. Quanto às pessoas desabrigadas, os estados das regiões Norte e Nordeste somam 55,52% do total nacional, representando respectivamente 27,36% e 28,16%. A pesquisa na integra está disponível para baixar no site https://iyaleta.org/plataformas/pesquisa/ .
Por fim, o Governo Brasileiro, anfitrião da IV Reunião da OTCA, precisa responder o que realmente quer dizer quando fala em acabar com as desigualdades e a fome, diante das ações de desmatamento zero no Bioma Amazônia, a proposta de exploração do petróleo na foz da Bacia do Rio Amazonas, a exploração mineral, dos ventos e solar na Caatinga nordestina!
Essa estrutura econômica (in)sustentável não responde e mantém na exclusão as populações urbanas residentes nos municípios das regiões Norte e Nordeste, de maioria populacional Negra e de Mulheres, ocupando áreas de alta densidade e em aglomerados subnormais, expostas a vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais, aprofundada pelos eventos e fenômenos climáticos nas capitais da Amazônia Legal e da Região Nordeste do país.
¹Geógrafo, Doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense – UFF. Pesquisador e Coordenação Científica da Associação de Pesquisa Iyaleta. Lider da Linha de Pesquisa “Desigualdades e Mudanças Climáticas”. Coordenação da Pesquisa “Adaptação Climática: a intersecção Brasil” em desenvolvimento pela Associação de Pesquisa. e-mail: [email protected] .