Comunicação

Opinião

COP30: Por Ciências das Diferenças e Diversidades na Conferência da Amazônia

27 de março de 2025

Diosmar Filho(i), Mariana Gomes(ii), Emerson Serra(iii), Andrêa Ferreira(iv), Emanuelle Góes(v)

Há exatamente dois anos, o Painel Intergovenamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), órgão das Nações Unidas para avaliar as ciências relacionadas as mudanças climáticas, lançava o Sexto Relatório de Avaliação (AR6) sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades. O relatório apresenta os riscos da não efetividade das estratégias de adaptação climática em escala global como forma de cuidado e prevenção das vidas humanas e da biodiversidade diante do aquecimento das superfícies terrestres e das águas nos oceanos nesta década. 

O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) é o primeiro da série que traz com profundidade os riscos das mudanças do clima para a população nas cidades do Sul Global, evidenciando que “em contextos urbanos, as alterações climáticas observadas estão causando impactos na saúde humana, nos meios de subsistência e nas principais infraestruturas. Múltiplos riscos climáticos e não climáticos afetam as cidades, os estabelecimentos e as infraestruturas e, por vezes, coincidem, ampliando os danos”(vi). 

Em elevada confiança, as pesquisadoras/es do IPCC (2022) evidenciaram que a falta de investimentos e prioridade para a efetividade do Artigo 7º do Acordo de Paris da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), que estabelece o objetivo global de aumentar a capacidade de adaptação, fortalecer a resiliência e reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas, tem hoje efeitos diretos nas condições de vida nos espaços urbanizados. Cada vez mais adensados, como nos chama a atenção o estudo da ONU Habitat, “a população urbana continua crescendo, e a previsão é de que cidades em todo mundo tenham 2,2 bilhões de habitantes a mais até 2050. No ritmo atual, a estimativa é que a população urbana passe de 56% do total global em 2021 para 68% em 2050”(vii). 

Neste ano, a população urbana nas capitais e metrópoles latino-americanas, africanas, asiáticas e do oriente médio sentem os impactos e efeitos de uma década com altas temperaturas, segundo estudo publicado pelos cientistas da Organização Mundial de Meteorologia (OMM). Para a MMO, a década de 2015-2024 foi a mais quente no histórico da temperatura do planeta, sendo o ano de 2024, provavelmente, o mais quente da série “com uma temperatura média global de mais de 1,5 °C acima da média de 1850-1900”(viii). 

Os fenômenos extremos de calor, incluindo as ondas de calor e as temperaturas extremas, intensificaram-se nas cidades e têm agravado os efeitos dos fenômenos de poluição atmosférica, impactando diretamente no funcionamento das principais infraestruturas nas cidades como: condições de saúde, condições de moradia, acesso e disponibilidade de alimentos, acesso a serviços de transporte público e privado, a serviços hospitalares público e privado, atividades educacionais (ensinos fundamental, médio e universitários), fornecimento de energia elétrica, e abastecimento de água potável.  

No Brasil e na maioria dos países em desenvolvimento(ix), o aquecimento do solo urbano das médias e grandes cidades é responsável por perdas econômicas e aumento das desigualdades nos espaços urbanos e rurais. O estudo “Semiárido em perspectiva de gênero:  violências sexuais contra meninas e adolescentes e os efeitos dos períodos  prolongados de seca”, sexta publicação da série Cadernos Iyaleta, demonstra a relação das desigualdades com as Violências Baseadas em Gênero (VBG). Nesse estudo, que inaugura a segunda fase da pesquisa “Adaptação Climática: uma intersecção Brasil 2030”, realizada pela Associação de Pesquisa Iyaleta(x) com apoio do Instituto Clima e Sociedade, a cientista Emanuelle Goes evidencia que, na região semiárida brasileira “72,4% das meninas e adolescentes em contexto de pobreza foram vítimas de violência sexual no semiárido”, evidenciando os impactos das secas prolongadas como fenômeno climático extremo. 

Este é o contexto que nos mobiliza como pesquisadoras e pesquisadores da Associação de Pesquisa Iyaleta a incidir pelo intercâmbio científico, para garantir a ampliação dos conhecimentos na implementação da “Estrutura dos Emirados Árabes Unidos para a Resiliência Climática Global”(xi), neste ano que celebramos os dez anos da assinatura do Acordo de Paris, com a realização no mês de novembro da 30ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP30 – Amazônia), na cidade de Belém no estado do Pará (Brasil).  

A COP30 acontece em um momento profundamente perturbador no campo das relações diplomáticas globais, tendo em vista o avanço político do fascismo nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, reconstituindo as formas de governos que impactam as condições de humanidades em escala planetária. Com impacto nas negociações das metas climáticas e no financiamento das Ciências para a adaptação climática, consolidação da mitigação e desacelerando a transição energética responsável pela eliminação da exploração, produção, transformação e o consumo dos combustíveis fósseis e seus derivados. 

A COP30 da Amazônia é a Conferência da América Latina e apresenta grandes desafios no campo do multilateralismo, como bem nos apresentou o Embaixador André Corrêa do Lago, em sua primeira comunicação como Presidência da COP30. Ao mesmo tempo, nos traz também grandes ambições no que se refere à aprovação da Nova Meta Coletiva Quantificada sobre Financiamento Climático (NCQG), com o valor de 1.3 bilhões de dólares, para garantir a implementação dos Planos Nacionais de Adaptação (PNA) e o financiamento (público e privado) das ações de adaptação nos países em desenvolvimento e insulares na região latina-americana e caribenha.  

Os pontos acima são estruturais para as negociações das Metas Globais de Adaptação (GGA), nas quais a Associação de Pesquisa Iyaleta vê como desafio para a definição de indicadores e métricas globais de adaptação para água e saneamento, saúde, alimentos e agricultura, infraestruturas, cultura e patrimônio, gênero, direitos humanos, e habitação/moradia. Estes indicadores devem monitorar o progresso da adaptação climática, pelo aumento da resiliência das condições de vida nos espaços urbanos com a recuperação dos ecossistemas e da redução dos impactos e efeitos das mudanças climáticas. 

Para isso, colocamos nossa atenção na ampliação das Ciências e a Capacitação na COP30, tendo em vista os desafios das Partes, Governos Nacionais e Subnacionais na construção de planos, ações e estratégias de adaptação que consolidem o financiamento, com a implementação da governança climática que elimine as desigualdades interseccionais impostas pela carbonização nas cidades do Sul Global. Está é uma prioridade a ser negociada nas Sessões do Órgão Subsidiário de Implementação (SBI62 e SBI63) da UNFCCC. 

E acreditamos que essa ampliação das Ciências e a Capacitação deva acontecer na Blue Zone (Zona Azul)(xii) das Conferências das Partes, como caminho para a diversidade científica, o acesso e acessibilidade às pesquisas, à capacitação, às técnicas, às tecnologias e às possibilidades de transparência, transferência e intercambio de conhecimentos, potencializando a incidência das cientistas, pesquisadoras/es e centros de investigação científica latino-americanos, africanos, do leste asiático e do oriente médio. Esta ampliação possibilitará aprovar e implementar indicadores e métricas de adaptação e metas de financiamento, responsáveis com a redução da temperatura do planeta em até 1.5ºC e eliminação das desigualdades no Sul Global.     

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(i) Geógrafo, Pesquisador Sênior e Coordenação Científica da Associação de Pesquisa Iyaleta. e-mail: [email protected]
(ii) Jornalista, Pesquisadora Associada e Coordenação de Comunicação da Associação de Pesquisa Iyaleta. e-mail: [email protected].
(iii) Mestre em Direito, Pesquisador Associado e Coordenação de Projetos da Associação de Pesquisa Iyaleta. e-mail: [email protected].
(iv) Epidemiologista, Pesquisadora Sênior e Coordenação Científica da Associação de Pesquisa Iyaleta. e-mail: [email protected].(v)Epidemiologista, Pesquisadora Sênior e Coordenação Científica da Associação de Pesquisa Iyaleta. e-mail: [email protected].
(vi) IPCC, 2023: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, pp. 1-34, doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647.001.
(vii) ONU-Habitat. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/188520-onu-habitat-popula%C3%A7%C3%A3o-mundial-ser%C3%A1-68-urbana-at%C3%A9-2050. Acessado em: 12.03.25.
(viii) Organização Mundial de Meteorologia (OMM). Disponível em: https://wmo.int/news/media-centre/wmo-confirms-2024-warmest-year-record-about-155degc-above-pre-industrial-level. Acessado em: 12.03.25.
(ix) Com elevada confiança, evidencia AR6/IPCC (2022), p. 13.
(x) Organização de Sociedade Civil Membro Observadora Permanente da UNFCCC.
(xi) Relatório da Conferência das Partes (COP) atuando como reunião das Partes do Acordo de Paris em sua quinta sessão, realizada nos Emirados Árabes Unidos, de 30 de novembro a 13 de dezembro de 2023.
(xii) A Blue Zone (Zona Azul) está sob a autoridade das Nações Unidas. O espaço do pavilhão é operado pelo país anfitrião em caráter comercial, a fim de fornecer às Partes e aos observadores admitidos um espaço dedicado para sediar suas próprias reuniões privadas e acomodações de escritório.