Aborto Inseguro no Brasil: estudo da Associação de Pesquisa Iyaleta traz resultados inéditos sobre uso de substâncias tóxicas nos últimos dez anos.
Policy Brief da Associação de Pesquisa Iyaleta aponta que nos últimos dez anos mais de 2 mil mulheres cisgênero e outras pessoas que gestam foram notificadas pela tentativa de aborto inseguro com substâncias tóxicas.
A Associação de Pesquisa Iyaleta – Pesquisas, Ciências e Humanidades lança nesta terça-feira, 26, o primeiro policy brief “Justiça Reprodutiva” da Linha de Pesquisa Equidade e Justiça de Gênero. O estudo tem autoria da líder da linha de pesquisa e coordenadora científica da Associação de Pesquisa Iyaleta Emanuelle Goes com a colaboração Mariana P. Lima, pesquisadora de pós-doutorado do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS/ Fundação Oswaldo Cruz). Intitulada “Aborto no Brasil: inseguro, ilegal e criminalizado”, a pesquisa reúne dados inéditos sobre a tentativa de aborto inseguro como resultado da criminalização, nos últimos dez anos no país. O -book pode ser baixado neste link.
De acordo com o estudo, na última década, as mulheres cisgênero e pessoas que gestam negras (pretas e pardas) representam mais da metade entre os grupos raciais na situação de insegurança em caso de aborto, com cerca de 54% de todos os casos. A partir das notificações do uso de substâncias tóxicas na tentativa de aborto, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação / Intoxicação Exógena (SINAN/DATASUS), o policy brief constata que os métodos utilizados tornam o aborto um problema de saúde pública e injustiça reprodutiva.
O grupo etário de 20 a 39 anos é também o que apresenta o maior percentual entre notificações de tentativas de aborto com substâncias tóxicas, principalmente entre as pessoas autodeclaradas pretas. Emanuelle Goes aponta a gravidade e características das substâncias usadas em contexto de criminalização. Também explica que os dados inéditos sobre as intoxicações indicam que mesmo diante do cenário de insegurança no uso de substâncias letais, existe no país um “gradiente racial” na tentativa do aborto.
“O primeiro destaque nos tipos de substâncias usadas na tentativa: são as letais como raticidas, psicotrópicos, plantas tóxicas, assim como não saber qual foi a substância utilizada. Também vimos nos resultados que no conjunto das substâncias tóxicas há um gradiente racial, mesmo num contexto de total prejuízo à saúde: enquanto as brancas são notificadas no uso de medicamentos em maior percentual, as pretas e pardas apresentam maior percentual para uso de raticidas, plantas toxicas e substâncias ignoradas”, explica Góes. “Consequentemente vamos encontrar a taxa de mortalidade materna por aborto mais elevada para pretas, em toda a série histórica (2012 a 2022) observada”, completa a especialista com base nos dados do Sistema de Informação de Mortalidade que também compõe o policy brief.
A publicação também analisa a criminalização do aborto no país, em especial, os limites que levam ao risco de morte materna. Por exemplo, entre outras substâncias utilizadas para o aborto diante da criminalização, estão produtos veterinários e agrotóxicos agrícolas, conforme dados apresentados neste estudo. Mariana P. Lima observa na pesquisa que mulheres cisgênero e outras pessoas que gestam arriscam a própria vida em face da criminalização e das desigualdades.
“Na tradição de pesquisa brasileira, sabe-se que a entrada do medicamento Misoprostol, usado em países em que o aborto é legalizado, modificou o perfil de mortalidade e morbidade de aborto. A partir dos dados desse policy brief, a gente nota que mesmo que exista o medicamento no Brasil, existem vários níveis segurança. Por conta das desigualdades, para interromper uma gestação em contexto de criminalização, as mulheres cisgênero e outras pessoas que gestam utilizam hoje várias substâncias, até em combinação, para tentarem interromper a gravidez”, elucida Lima.
O policy brief ainda reúne oito recomendações voltadas à descriminalização do aborto no país, com especial atenção às mortes evitáveis e de assistência à saúde, por meio da justiça reprodutiva. A publicação chega ao público no início do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 no Supremo Tribunal Federal. A votação iniciou-se no dia 22 de setembro, com voto pela descriminalização do aborto da ministra Rosa Weber.