Gravidez e Maternidade na adolescência exigem ir além da prevenção
Estudo sobre Desigualdades e Maternidade/Gravidez na adolescência é realizado por pesquisadoras do Cidacs-Fiobruz/Ba no país
Quando se pensa em gravidez na adolescência, é inevitável falar sobre seus impactos sociais e para a saúde pública. Entre os temas mais abordados, estão preocupações como alta fecundidade, em ser fator de risco para morte materna e de bebês e, claro, a violência sexual. Embora em menor volume, pesquisas que avaliam a garantia de direitos de crianças e adolescentes que se tornam mães na adolescência têm revelado uma série de desigualdades que perpassam fatores de gênero, raciais, sociais, territoriais e econômicos e mostram a necessidade de avançar no tema, que não deve se limitar esforços somente a prevenir a gravidez.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define gravidez na adolescência todas as gestações que acontecem entre 10 e 19 anos de idade. É neste público que se debruça a pesquisa em andamento “Gravidez e Maternidade na Adolescência: Um estudo da Coorte de 100 Milhões de Brasileiros” do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS) e Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA), sob a liderança das pesquisadoras da Associação de Pesquisa Iyaleta.
Com foco na saúde da criança e do adolescente e na avaliação de políticas públicas, a professora do ISC/UFBA, pesquisadora colaboradora no Centro de Integração de Dados de Conhecimentos para Saúde (CIDACS-Fiocruz) e pesquisadora sênior da Associação de Pesquisa Iyaleta, a epidemiologista Dandara Ramos, explique que a pesquisa expande as abordagens sobre gravidez e maternidade na adolescência. “A discussão que a gente faz também é muito de dentro do campo da saúde coletiva também, porque a discussão sobre maternidade na adolescência é muito interdisciplinar, o que é um aspecto bom, mas também chama atenção da gente em como é priorizado ou não dentro de certas áreas do saber”.
Ao priorizar a justiça reprodutiva, o estudo leva em consideração as desigualdades étnico-raciais, o acesso à saúde e cuidados com a saúde reprodutiva “para romper também com o discurso que sempre chega primeiro sobre gravidez na adolescência, que é o discurso da norma, do ‘por que tá engravidando nessa idade?’, a discussão que a gente faz é da garantia de direitos”, afirma a pesquisadora.
Enfermeira epidemiologista, pesquisadora pós-doc do Cidacs (FIOCRUZ-Bahia), professora colaboradora do ISC/UFBA e Movement Fellow do Ubuntu Center on Racism, Global Movements, Drexel University (EUA) e coordenadora científica da Associação de Pesquisa Iyaleta, Emanuelle Góes, aborda que um dos objetivos do estudo é analisar os marcadores sociais da maternidade na adolescência e o impacto do programa Bolsa Família.
Para isso, tem como recorte mulheres com idade inferior a 19 anos completos na entrada na Coorte de 100 Milhões, construído a partir da vinculação dos dados do Cadastro Único com bases de programas sociais e sistemas de informação em saúde. Entre 2001 e 2015, por exemplo, foram 7.546.939 nascidos vivos de mães adolescentes (10-19 anos), correspondendo a 31,5% de todos os nascimentos na coorte de 2001-2015, evidencia a pesquisadora.
Mesmo em queda nas últimas décadas, os números de maternidade adolescente continuam expressivos. O estudo mostra que, em 2020, foram mais de 380 mil partos, o que representa 14% de todos os nascimentos no Brasil. Um ano antes, a proporção era de 14,7% e em 2018 chegava a 15,5%. A pesquisadora Emanuelle Goés analisa o panorama brasileiro.
“Apesar do decréscimo ao longo do tempo, vamos ter disparidades, então vai ser diferente entre grupos raciais. A política é universal, vai atingir todo mundo de alguma forma, só que aquelas que já tinham alguma vantagem, ficarão em mais vantagem se a gente não faz políticas interseccionais e equitativas”, finaliza Emanuelle Góes.
Prevenção não pode ser via única
Uma das palavras mais utilizadas no debate e nas políticas públicas sobre gravidez e maternidade na adolescência é a prevenção. Ela está presente em campanhas, protocolos, cartilhas, entre outros materiais. Entretanto, para as pesquisadoras, o termo não pode ser a única abordagem do tema.
“Há coisas que usamos de forma homogênea, universal, e não é aplicável, pois cada contexto, cada história tem especificidades”, defende a pesquisadora Emanuelle Goés. Tanto ela como a professora Dandara Ramos priorizam falar de promoção de direitos no lugar de prevenção da gravidez. “A gente sempre gosta de pontuar como isso acabou se tornando uma narrativa única, sempre é sobre prevenção, e a gente questiona isso em múltiplos níveis”, pontua a professora Dandara Ramos.
Do ponto de vista do desenvolvimento, a pesquisadora avalia que falar em prevenção está relacionado com uma ideia de ver crianças e adolescentes como seres inconsequentes. “É uma leitura que pensa ‘se a gente não intervir o adolescente vai fazer algum desastre’, então tem que controlar, tem que prevenir. E vemos pouquíssimos estudos e pesquisas sobre garantir direitos, ter espaços de discussão e debater violência sexual contra crianças e adolescentes como algo que está na causa de muitas gestações que ocorrem nessa faixa etária”, explica.
As pesquisadoras sustentam que a maternidade e temas relacionados à gravidez na adolescência devem ampliar o olhar e assumir um papel de destaque na agenda pública e ir além de prevenir.
“São movimentos que nós fazemos para chamar atenção, tanto nos espaços científicos como políticos, de que essa não é a única agenda necessária. Enquanto essa for a única agenda necessária, o problema só vai continuar aumentando, porque a gente não foca no cuidado integral”, finaliza Dandara Ramos.
Os dados da pesquisa foram publicados na “Cartilha Sem Deixar Ninguém Para Trás”, que está disponível para baixar na página do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil (Unfpa). Acessem: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/sem-deixar-ninguem-para-tras .
Giselly Corrêa Barata
Estudante de Jornalismo e pesquisadora de iniciação científica na Coordenação de Comunicação da Associação de Pesquisa Iyaleta
(71) 99187-0907