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Como pensar em adaptação na Amazônia com poucas mulheres no parlamento?

Artigo escrito por Ananda Ridart


Na última eleição presidencial e parlamentar foram eleitas 91 mulheres para a Câmara dos Deputados, isso significa apenas 17% das cadeiras do parlamento, sendo apenas 3% de mulheres pertencentes a região amazônica. Tudo isso em um país onde metade da população é feminina e onde a região amazônica compreende 58,93% do território brasileiro.

O sistema político, eleitoral e partidário funciona a partir da perspectiva masculina e branca. Historicamente o Congresso Nacional foi construído com a presença de homens que eram os únicos com direito de votar e ser votado. A predominância masculina no parlamento, e principalmente oriundos do sul e sudeste do país ao longo das décadas, desde a redemocratização, dificultaram a implementação de uma agenda que pensasse em desenvolvimento e integração da Amazônia pela perspectiva de sua população.

A agenda política implementada para o desenvolvimento nacional e regional foi pensada a partir de uma única cor, gênero e região, isso contribuiu em manter a região amazônica na condição periférica do país e do mundo. Houve grandes transformações sociais ao longo da recente história brasileira contada a partir da colonização, como a acelerada destruição da biodiversidade, a implementação de grandes projetos de desenvolvimento, a condenação à pobreza da população urbana e rural e o genocídio das populações tradicionais.

Tudo isso somado a ser a maior floresta tropical do mundo mostra como a região é uma peça-chave para o cenário nacional e internacional e o desafio de diminuição das emissões de gases de efeito estufa (GEE) alinhado a eliminação das desigualdades territoriais da região, onde os impactos das mudanças climáticas acontecem de forma mais acentuada.

De acordo com o “Sumário – Amazônia Legal Urbana: Análises Socioespaciais de Mudanças Climáticas” são as mulheres Negras e Indígenas da região que estão sofrendo cada vez mais os impactos do clima na região. Há uma grande concentração dessas mulheres vivendo em residências sem revestimento, utilizando fossas rudimentares ou descartando dejetos no rio e lagos, são elas as mais vulneráveis diante do crescimento de arboviroses provocado pela falta de infraestrutura urbana adequada, desmatamento e aquecimento global.

Segundo o sumário: “são as mulheres Negras que vivenciam as consequências da epidemia do Zika. Essas mulheres, além de serem as que mais se depararam com condições precárias de moradia, são as que também têm menos acesso à informação sobre saúde reprodutiva e a métodos contraceptivos. Isso é destacado porque essa arbovirose apresentou uma questão peculiar que impactou a saúde reprodutiva das mulheres: o vírus também era transmitido durante a gestação e transmitido via relação sexual”

Com isso, fica evidente que as desigualdades sociais implicam diretamente em impactos climáticos desiguais, sobretudo nas mulheres negras e indígenas da Amazônia, desse modo, quem se preocupa com a política de adaptação pensando em desigualdades étnico-raciais e de gênero e suas particularidades na região?

A partir da instituição da Lei 9504/1997, que indicou a reserva de 30% das candidaturas dos partidos ou coligações para mulheres, esperava-se que a representação e participação política feminina aumentasse, contudo ainda há predominância masculina principalmente no cenário local e estadual dos Estados da Amazônia brasileira.

E ainda que a participação de mulheres tenha aumentado no âmbito do legislativo, muitas vezes elas são presas no que Luís Felipe Miguel (2001), denominou de “política de desvelo” ou políticas de cuidado, que são políticas voltadas para área de amparo social, e desta forma são excluídas dentro do parlamento de processos decisórios de “políticas de interesse”  que seriam políticas orçamentárias, econômicas e administração pública, excluindo mulheres de outros cenários de produção de política pública.

De toda forma, não há problema nenhum nas ditas ‘políticas de cuidado’, afinal são tão importantes quanto as ‘políticas de interesse’, a questão é a pouca representação feminina no parlamento e a neutralização das mulheres que ali estão, condicionando-as em um único grupo de políticas públicas.

A lei de cotas se mostrou insuficiente diante das desigualdades de gênero na representação política, é a hora de pensarmos em reservas igualitárias de cadeiras no parlamento, essa reserva deve ser pensada também no âmbito regional, por estado, quem sabe assim conseguiríamos um Congresso mais representativo e que corresponda as necessidades da região.

Hoje é extremamente necessário pensar programas de adaptação a mudanças do clima que garantam direitos humanos de forma mais profunda as mulheres Negras e Indígenas da Amazônia, e para isso precisamos de mais parlamentares que vivem essa realidade no congresso nacional.

 


Ananda Ridart é pesquisadora associada Iyaleta, Jornalista e Cientista Política. Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará. Integrou o Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia. Atuou como discente/pesquisadora visitante no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais. Áreas: Ciência Política e Sociologia, Gênero, Amazônia, Desenvolvimento Sustentável, Políticas Ambientais, Comunicação Política e Estudos Latino-Americanos.