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Visão sobre ‘perdas e danos’ de populações vulneráveis deve ser prioridade no Brasil e no mundo

Matéria publicada orginalmente no site do Brazil Climate Action Hub


As populações mais vulneráveis, e que menos contribuíram para o aquecimento global, são e serão as mais impactadas pela emergência climática. Apoiá-las, inclusive com recursos financeiros, no enfrentamento de mais essa camada de desafios é dever de governos e de toda a sociedade. É uma questão de justiça climática e um dos temas críticos da COP27.

Por Daniela Vianna e Tatiane Matheus, ClimaInfo

O debate “Perdas e Danos, Gênero e Impactos Territoriais”, realizado na sexta-feira, 11/11, no Brazil Climate Hub, foi dividido em dois painéis, que exploraram as diferentes nuances do tema e os impactos da crise climática nas populações mais vulneráveis. Os debatedores concordam que falar de perdas e danos é falar também de justiça climática e, em última instância, de direitos humanos. Essa temática é um dos temas críticos da Conferência do Clima de Sharm el-Sheikh, no Egito.

Nas duas mesas, coordenadas pela pesquisadora Andrêa Ferreira, da Associação de Pesquisa Iyaleta, os participantes sinalizaram e apresentaram dados sobre os retrocessos e as violações de direitos ocorridas no Brasil nos últimos quatro anos da gestão de Bolsonaro. A deputada federal eleita Marina Silva, cotada para assumir o Ministério do Meio Ambiente no governo Lula, apontou para a urgência de se endereçar as questões de “perdas e danos” no Brasil e no mundo.

“Esta COP possui esse caráter de implementação de questões que já foram decididas e que precisam ganhar a efetividade necessária para reduzirmos as emissões e estabilizar a temperatura da Terra, que já está comprometida com a meta de 1,5˚Cº. Segundo dados recentes, não iremos reduzir em 53% as emissões de GEE até 2030, mas aumentaremos em 12%, o que é muito grave. E a gravidade dessa situação vai recair, especificamente, sobre uma parte da população do nosso planeta. O que entra é justamente neste debate sobre perdas e danos”, disse Marina Silva. “O esforço tem de ser global”, afirmou, lembrando que a crise climática não tem fronteiras.

Globalmente, ela citou os caso das Pequenas Ilhas, que correm risco de desaparecer devido ao aumento do nível do mar, e da África, onde a falta de água deixa populações e povos inteiros em risco de extinção. Marina destacou, ainda, que as populações tradicionais são responsáveis por 80% das áreas protegidas existentes no mundo, e que faz-se necessário que os investimentos – hoje alocados prioritariamente para reparar o que já foi destruído –, sejam destinados para reconhecimento dos benefícios proporcionados por essas comunidades e povos.

Sobre o Brasil, disse que “os povos indígenas, que não contribuíram em absolutamente nada para as consequências do que estamos sofrendo hoje, são, na realidade do mundo, os mais prejudicados também”.

Novos ares de esperança

A mensagem de Marina Silva foi de esperança. Ela ressaltou que o país deve retomar o seu papel protagonista na agenda climática internacional e dar exemplo para o mundo. A deputada eleita exaltou os compromissos públicos assumidos pelo presidente eleito Lula, no último dia 12 de novembro, de fazer das políticas ambiental e climática um tema prioritário, estratégico e transversal de seu governo; de priorizar o desmatamento zero com respeito às comunidades; e de proteger as florestas e os povos originários. Mencionou, ainda, que o Plano Safra – da ordem de R$ 300 bilhões – deve servir de base para a transição de uma agricultura de baixo carbono.

Dois representantes dos povos indígenas que compartilharam o painel com ela também exaltaram os tempos de mudanças. O Cacique Zé Bajaga Apurinã, da aldeia Idecora, Terra Indígena Caititu, no município de Lábrea, no Amazonas, frisou a necessidade do fortalecimento do processo de enfrentamento das mudanças climáticas em territórios indígenas na Amazônia. “Nós, indígenas, cuidamos e preservamos as florestas, contribuindo com a gestão dos recursos naturais e garantindo a diversidade, além da produção de chuvas para o restante do país e do planeta. Não tem dinheiro no mundo que pague a extinção de animais e peixes, a poluição dos nossos rios pelo garimpo ilegal, mas temos luz no fim do túnel, que é o nosso presidente (Lula), depois de quatro anos de destuição”. disse ele. “Enquanto estivermos respirando, jamais vamos parar de lutar em defesa das nossas terras, dos nossos territórios. Se continuarmos preservando, não estamos salvando só a nós, povos indígenas, estaremos salvando também todos os povos do planeta”, concluiu.

Em sua participação, Toya Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e coordenador de Área de Território e Recursos Naturais da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), enfatizou que é fundamental que o país volte “para os trilhos normais”. Segundo ele, isso representa respeitar a vida, principalmente a das minorias, com o fim das violações dos direitos dos povos indígenas e o retorno de políticas públicas que defendam as florestas. “Hoje, nós temos essa esperança de novo”, celebrou.

Setor Energético Brasileiro

Estava também representado no painel Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e representante da Coalizão Energia Limpa – transição justa e livre do gás. Ele traçou um panorama dos impactos das energias baseadas a carvão e gás tanto do ponto de vista climático quanto do aspecto social, com o aumento da poluição do ar, do uso intensivo de água e dos impacto econômicos nas contas de luz e na inflação. Baitelo mencionou os retrocessos no setor de energia nos últimos quatro anos, e sobre os impactos às populações locais com relação ao setor de energia, como a instalação de termelétricas e a importação de gás.

Sobre a matriz energética, Marina Silva ressaltou que o compromisso de incorporar metas de redução das emissões de gases do efeito estufa no setor e no Sistema Nacional de Energia é absolutamente inovador. “É possível pensar (para o Brasil) uma matriz energética limpa, diversificada, segura, com geração distribuída mais barata do que a de energia de diesel, carvão e de hidroeletricidade, com menos perdas na transmissão e com geração de empregos. Porque buscar outras fontes?”, questionou Marina. “Que a gente possa ter ganhos e ganhos, e não mais perdas e danos”, concluiu.

Demanda por uma agenda climática efetiva

No segundo painel do debate sobre “Perdas e Danos, Gênero e Impactos Territoriais”, os participantes ressaltaram a sequência de retrocessos nas áreas de energia e ambiental do governo brasileiro nos últimos quatro anos e chamaram a atenção para a necessidade de uma agenda climática mais efetiva, e do desenvolvimento de um olhar diferenciado sobre as perdas e danos das populações mais vulneráveis.

Participaram da roda de conversa Célia Pinto (coordenadora executiva da CONAQ), Julia Neiva (Conectas Direitos Humanos), Crisanto Xavante (representante do povo Xavante), Edel Moraes (Memorial Chico Mendes e Conselho Nacional dos Extrativistas) e Pedro Hartung (Climate Champions e Alana).

A quilombola e coordenadora da CONAQ, Célia Pinto discorreu sobre o fato de que perdas e danos em relação às mudanças climáticas são colocados pelo ponto de vista econômico, entretanto, as perdas da biodiversidade, da cultura e de todo um arcabouço que não pode ser mensurável também devem ser incluidas. “As maiores perdas não são econômicas, mas de vidas”, afirmou. Ela ressaltou como a ausência de políticas públicas para a proteção das pessoas e dos territórios é maléfica. Além das comunidades quilombolas serem afetadas, muitos que estão nas periferias das cidades, sofrendo, são pessoas que saíram das comunidades (quilombolas).

“Os impactos das mudanças climáticas geram gravíssimas violações de direitos humanos. Questões de gênero e de raça estão imbricadas à justiça ambiental. Chamamos de racismo estrutural, ambiental, energético, mas é fundamental na discussão sobre perdas e danos”, explicou Julia Neiva, que reforçou também a necessidade de enfrentamento às consequências do colonialismo. Para ela, trata-se sim de uma questão de reparação. Os mecanismos que devem ser adotados precisam contemplar critérios relacionados aos direitos humanos, ao racismo de suas diversas formas, às injustiças sociais, de gênero, de raça e de classe — a todas as formas de opressão. É fundamental, para ela, a garantia de que os países mais impactados recebam as devidas compensações. “Há várias formas de compensação: financeira, de infraestrutura, tecnológica, de inovação, políticas de adaptação”, exemplificou.

Crisanto Xavante corroborou a fala de Célia e destacou que o Brasil é pluriétnico e pluricultural. Por isso, a busca de mitigação climática precisa ter esse horizonte.

A vice-presidente do Memorial Chico Mendes, Edel Moraes, apresentou uma pesquisa, realizada com mulheres e jovens, que exemplifica os impactos climáticos na prática. O diagnóstico revelou que a principal mudança observada ao longo dos tempos nas comunidades foi o aumento de temperatura, o que traz impactos desde a organização familiar ao plantio, passando pela pesca e por outros fatores ligados ao bem-estar econômico e social. As comunidades mais vulnerabilizadas dependem de um ambiente saudável, sobretudo, por se tratar de uma região com índices abaixo da linha da pobreza. As principais impactadas são as mulheres e as crianças, de forma direta, porque estão relacionadas ao cuidado e à manutenção da autonomia alimentar, além de não terem acesso à energia, mesmo sendo impactadas pelos empreendimentos de geração de energia. Edel destacou, ainda, que as mulheres trazem proposições de soluções. “Nós não temos dois planetas, nós necessitamos, de fato, encontrar e apresentar boas soluções. Não somente povos e comunidades tradicionais, mas todos os tomadores de decisão. Que as nossas falas e reivindicações, que as nossas reflexões e pesquisas pela defesa do meio ambiente de fato sejam ouvidas”, concluiu Edel.

Por fim, o advogado do Climate Champions e da Alana, Pedro Hartung, ressaltou que, apesar dos quase 30 anos decorridos desde a primeira Conferência do Clima, não se tem uma decisão de COPs relacionadas às crianças, mesmo elas sendo as mais afetadas. “As crianças e suas famílias estão sendo impactadas agora pelas mudanças climáticas. Mas isso não vem sendo reconhecido”, alertou. Segundo ele, a crise climática é também uma crise para crianças e adolescentes. Dados apontam que cerca de 10 milhões de crianças já tiveram de migrar por causa das situação climática atual. O advogado destacou, ainda, a importância de se levar os financiamentos às comunidades, de cuidar de quem cuida dessas crianças, e de lembrar que as crianças são as primeiras que morrem de fome decorrente dos impactos das mudanças climáticas nos territórios e nos sistemas familiares e alimentares.

A íntegra dos dois painéis está disponível neste link.

Todos os eventos foram gravados e estão disponíveis em português e ingles no website do Brazil Climate Hub.

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Crédito da foto: Ellen Monielle/Iyaleta