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Diálogos Iyaleta Sul Global: A sul africana Gugu Nonjinge dialoga sobre a ação climática e a importância da COP27 na África

Os países do continente africano e o Brasil são territórios do Sul Global nos quais os impactos e efeitos das mudanças climáticas convergem na ampliação das desigualdades para as populações da região. A ausência de políticas públicas em infraestrutura diante da crise climática humanitária coloca em alta vulnerabilidade a vida de populações Negra e povos Indígenas. 

Foto divulgação

Frente ao reconhecimento da crise humana diante das dimensões do clima, a chamada de ação “↓1,5°C e Desigualdades Zer0”, uma iniciativa da Associação de Pesquisa Iyaleta, reforça a urgência da eliminação das desigualdades raciais, étnicas, de gênero, geracionais e sociais nos territórios e cidades do Sul Global. Este cuidado humanitário com o Planeta 2050 é responsabilidade, especialmente, do Norte Global com os compromissos, mecanismos e determinações firmadas.

Compreendendo a comunicação como necessária para conhecer e reconhecer as condições desiguais que humanamente vivemos no espaço global, a Associação de Pesquisa Iyaleta estreia a série “Diálogos Iyaleta Sul Global”, que propõe a expansão dessa comunicação, através de entrevistas com ativistas e pesquisadoras/es climáticas/os africanas/os. Para a primeira edição da série, a convidada é Gugu Nonjinge, profissional de advocacia e comunicação, nascida e criada na província de Eastern Cape, na África do Sul. 

O trabalho da ativista climática como Diretora de Advocacy Sênior no Centro para o Estudo da Violência e Reconciliação (CSVR) tem como um dos objetivos encontrar ligações entre as mudanças climáticas e a construção da paz e seu impacto potencial em conflitos violentos que atualmente são subestimados. Para ela, a educação sobre direitos humanos está interligada à educação sobre mudanças climáticas e destaca a importância de se construir o conhecimento público em torno do assunto. Confira abaixo a entrevista completa. 

IYALETA: Conte-nos um pouco sobre a organização em que atua, seu papel como ativista em questões climáticas e ambientais e o trabalho que desenvolveu ao longo dos anos. O que a levou a atuar na luta contra as mudanças climáticas?

Gugu Nonjinge: Atualmente trabalho para a CSVR, cuja missão é promover a paz sustentável nos níveis comunitário, nacional, regional e global, compreendendo, prevenindo e abordando os efeitos da violência e da desigualdade. Por três décadas, a CSVR trabalhou para entender a violência, curar seus efeitos, reconciliar comunidades e construir uma paz sustentável na África do Sul, no continente e em outras partes do mundo. Meu interesse como diretora de advocacy tem sido encontrar ligações entre as mudanças climáticas e a construção da paz e seu impacto potencial em conflitos violentos que atualmente são subestimados. Acredito que as instituições encarregadas de garantir que os direitos humanos dos povos sejam promovidos, protegidos e cumpridos, precisam reconhecer que a mudança climática é uma questão interligada. Elas devem educar as pessoas ligando educação à paz e a educação em direitos humanos à educação sobre mudanças climáticas.

IYALETA: O que o levou a atuar no combate às mudanças climáticas? Você trabalhou com alguma organização?

GN: Crescendo na zona rural do Cabo Oriental, onde a agricultura é um grande negócio, sempre tive interesse em aprender sobre as causas da seca e como ela afetava nossas colheitas em casa. Em 2018, comecei a trabalhar com o Afrobarometer, uma rede de pesquisa panafricana e apartidária que realiza pesquisas de atitude pública sobre democracia, governança, condições econômicas e questões relacionadas aos países africanos. Os resultados da 7ª rodada de pesquisas de opinião pública do Afrobarometer, em toda a África, mostraram uma grande consciência das mudanças climáticas em alguns países, mas apenas cerca de três em cada dez (28%) são totalmente “alfabetizados sobre mudanças climáticas”. Isso destacou a necessidade de construir o conhecimento público em torno do assunto. Na Afrobarometer, também escrevi alguns artigos analisando dados das mudanças climáticas. Acesse alguns aqui:

  1. https://afrobarometer.org/sites/default/files/publications/D%C3%A9p%C3%AAches/ab_r7_dispatchno295_south_african_perceptions_of_climate_change.pdf
  2. https://media.africaportal.org/documents/ab_r7_dispatchno264_climate_change_in_botswana_0.pdf 

IYALETA: Quais são os impactos das mudanças climáticas nos territórios sul-africanos hoje?

GN: A África do Sul é um país com escassez de água, como resultado, partes do país experimentam cada vez mais secas graves, enquanto, ao mesmo tempo, mudanças nos padrões de chuva resultam em tempestades severas, deslizamentos de terra e inundações repentinas em outras partes do país. Nas áreas secas, a seca resulta em reduções significativas dos níveis das barragens que causam escassez crônica de água nas áreas urbanas. A escassez de água também afeta negativamente o rendimento das colheitas e a pecuária, o que, por sua vez, impacta negativamente na segurança alimentar, especialmente entre os pobres urbanos que não conseguem se ajustar aos aumentos resultantes nos preços dos alimentos.

IYALETA: Você participou da COP26 em Glasgow na Escócia no ano passado? Se sim, qual é a sua avaliação como pessoa nascida e vivendo na África? Se não, qual é a sua avaliação da COP26 e como ela chega aos governos na África?

GN: Não, não participei da COP26 em Glasgow na Escócia no ano passado. Apesar do reconhecimento de perdas, custos e danos causados ​​pelas mudanças climáticas na COP26, os países desenvolvidos ainda se recusam a reconhecer oficialmente a responsabilidade histórica pelos custos de perdas e danos. Para os países que estão testemunhando os impactos devastadores do aumento do nível do mar e não podem arcar com estratégias de adaptação ao aumento do nível do mar, a falha em garantir um fundo de danos dedicado é equivalente a nenhuma ação. A Cúpula também falhou em abordar as desigualdades em como o financiamento climático internacional é disperso entre países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, e a forma que esse financiamento deve assumir. Sobre a transição justa, mesmo com os compromissos assumidos, a COP26 não reconheceu que as transições justas não serão tão fáceis para os países em desenvolvimento. As transições devem ser mais do que um imperativo ambiental, é uma questão de justiça social e econômica.


Fonte: Marco Longari – 15.abr.22/AFP

IYALETA: Você escreveu um texto recentemente falando sobre a dignidade menstrual de meninas e adolescentes. Como podemos relacionar esta questão com a falta de acesso a serviços essenciais de saneamento (sanitários, água, etc.) com questões ambientais e de mudança climática?

GN: A dimensão de gênero das mudanças climáticas está ganhando maior destaque no debate global. No entanto, o duplo risco trazido pelo gênero e idade permanece amplamente ignorado.

IYALETA: Quais são suas perspectivas para a próxima COP27 (2022) no Egito?

GN: O ano de 2022 é significativo para a ação climática na África, pois o mundo se reunirá no Cairo, Egito, para a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27). Antes desta importante conferência, nosso ativismo e advocacy devem enfatizar a importância da ação climática participativa e baseada em direitos, que leva a resultados mais coerentes, sustentáveis ​​e eficazes. O foco em 2022 deve ser nos esforços de recuperação que fortaleçam a resiliência e a adaptação.

 


Entrevista realizada por Andrêa Ferreira, Emanuelle Góes, Diosmar Filho e Juliana Dias

Edição: Juliana Dias