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COP27: A reparação silenciada em Durban chega a Sharm El-Sheikh (Egito)

 

Por Diosmar Filho* e Andrêa Ferreira**

 


 

Vinte e um anos é o espaço e tempo entre a reparação silenciada pelos países desenvolvidos na Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância (2001), na cidade de Durban (África do Sul) e a sua insurgência pelo financiamento dos Fundos de Adaptação e o Financiamento das Perdas e Danos[1] na 27ª Conferência das Partes (COP27) – Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em novembro 2022, na cidade de Sharm El-Sheikh (Egito).

 

A COP27 será a grande conferência do clima em África e não poderá omitir-se aos compromissos da Declaração de Durban e o seu programa de atividades estabelecido na Década Internacional dos Povos Afrodescendentes (2015-2024). Estarão em solo africano as mesmas Partes agora compromissadas com o Acordo de Paris (2015), cerca de cento e cinquenta países com metas e contribuições nacionalmente determinadas (nationally determined contributions – NDCs)[2] atualizadas ou mantidas pós 26ª Conferência das Partes (COP26), para a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE) a serem alcançadas antes 2030.

 

A interdependência dos compromissos de Durban e Sharm El-Sheikh, dão-se pela adoção e efetivação de políticas e o financiamento das ações e dos planos de adaptação, que impactará às populações na África e nas Diásporas pelo: reconhecimento, justiça, desenvolvimento e eliminação de discriminação múltipla ou agravada.

 

Em Sharm El-Sheikh se negociará à reparação em ambições para uma transição energética de eliminação das matrizes de combustão fósseis, prevendo limitar em 1,5o C a temperatura do planeta até 2050 – o acordado no Pacto Climático de Glasgow. O que torna imperativa a efetividade das ambições e dos compromissos (hoje realizado em menos de 20%) pelos países desenvolvidos em depositar o financiamento nos Fundos de Adaptação e para os Países Menos Desenvolvidos em US$ 100 bilhões anual durante essa década, conforme artigo 15 do Acordo:

 

As primeiras negociações para aprovação das reparações que chegarão na COP27, ocorreram entre 06 e 16 de junho na Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn (Alemanha). Na conferência, os países em desenvolvimento e insulares buscaram ampla negociação em torno dos documentos a serem aprovados como: Planos Nacional de Adaptação; Regras, modalidades e procedimentos para o mecanismo estabelecido pelo Artigo 6, parágrafo 4, do Acordo de Paris e referido na decisão 3/CMA.3; com a Quarta revisão do Fundo de Adaptação; Programa de trabalho de Nairobi sobre impactos, vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas; Programa de trabalho de Glasgow-Sharm El-Sheikh sobre o objetivo mundial relativo à adaptação a que se refira a decisão 7/CMA.3; e Gênero e Mudanças Climáticas.

 

Mas, não houve avanço quanto a regulamentação dos mecanismos de financiamento para Perdas e Danos, mesmo com o movimento do grupo dos 77 países (G77) e do bloco de negociação da China, representando 80% da população global que retornaram as negociações na COP26.

 

Observadores e Partes entrevistados pelo Evero News Nigéria relataram que em Bonn, ocorreu os primeiros encontros das Partes responsáveis pelo Pacto Climático de Glasgow e demostrou atraso no reconhecimento dos mecanismos de financiamento de Perdas e Danos aos países em desenvolvimento, insulares e empobrecidos, vulneráveis e profundamente impactados pelas mudanças do clima, sendo nítido o papel opositor e de bloqueio desta agenda por parte de países desenvolvidos como Estados Unidos, Suíça, Canadá, Reino Unido e o bloco de negociação da União Europeia, que conseguiram empurrar para Sharm El-Sheikh os compromissos de diálogo e ações sobre futuros arranjos institucionais possíveis para lidar com o financiamento de Perdas e Danos.

 

A posição dos países desenvolvidos é uma negação aos dados científicos do Sexto Relatório de Avaliação, Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que em alta confiança[3] afirma que os “pontos globais de alta vulnerabilidade humana são encontrados particularmente na África Ocidental, Central e Oriental, Ásia do Sul, América Central e do Sul, Estados em Desenvolvimento, Pequenas Ilhas e Ártico” (IPCC, 2022, p. 14-15)[4]Assim como, em alta confiança afirma que a vulnerabilidade se dá em diferentes níveis espaciais e sendo exacerbada pelas desigualdades e marginalização das pessoas pelas dimensões de gênero, etnia, baixa renda ou combinações, especialmente para muitos povos indígenas e comunidades locais[5].

 

 

Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn (Alemanha, junho/2022). Créditos Fotos: UNFCCC

Contudo, a Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn finalizou com pequenos avanços frente a emergência climática, pois as discussões mais importantes sobre o financiamento de Perdas e Danos e novas diretrizes para o Fundo de Adaptação acontecerão na COP27, em Sharm El-Sheikh. Mas, serviu de alerta para as Partes sobre as possibilidades de aprovação dos novos mecanismos para financiar ações que deem conta das Perdas e Danos – fundamental no alcance das mulheres e meninas, mais impactadas pelos efeitos dos eventos extremos climáticos nas comunidades e territórios.

 

Apesar dos bloqueios nas negociações pelos países desenvolvidos, as Partes deverão seguir levantando as suas vozes sobre adaptação e financiamento nos próximos encontros sobre o Clima, como a Cúpula do G7, em junho na Alemanha, e demais reuniões técnicas preparatórias da COP27.

 

Pois, a não mudança nas atuais negociações limitará os projetos regionais, nacionais e territoriais de eliminação das desigualdades resultante da carbonização que consumiu, urbanizou e industrializou os países desenvolvidos poluidores, responsáveis pelos atuais níveis de aquecimento do planeta, devido a exploração mineral, da vegetação, das terras e dos territórios em ciclos de colonização. E levará ao fracasso as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), pactuadas pelos países em desenvolvimento, insulares e empobrecidos na transição climática, pela falta da reparação com ações concretas de financiamento dos Estados para Adaptação e Perdas e Danos.

 

 

Tags: #MudançasClimáticas, #COP27, #Bonn, #Adaptação, #Desigualdades, #PerdaseDanos, #SharmElSheikh, #FinanciamentoClimático.

 

 

* Diosmar Filho – Geógrafo. Doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense. Pesquisador IYALETA – Pesquisa, Ciências e Humanidades. Observador da Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn – Alemanha (junho/2022).

** Andrêa Ferreira – Epidemiologista. Pesquisadora e Pós Doc do Cidacs/Fiocruz-Ba. Pesquisadora IYALETA – Pesquisa, Ciências e Humanidades. Observadora da Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn – Alemanha (junho/2022).

 

 


NOTAS

[1] Tradução para o português da expressão em inglês “Loss and Damange”

[2] NDCs são compromissos voluntários criados por países signatários do Acordo de Paris.

[3] Grau máximo de confiança da evidência científica.

[4] IPCC, 2022: Summary for Policymakers [H.-O. Pörtner, D.C. Roberts, E.S. Poloczanska, K. Mintenbeck, M. Tignor, A. Alegría, M. Craig, S. Langsdorf, S. Löschke, V. Möller, A. Okem (eds.)]. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [H.-O. Pörtner, D.C. Roberts, M. Tignor, E.S. Poloczanska, K. Mintenbeck, A. Alegría, M. Craig, S. Langsdorf, S. Löschke, V. Möller, A. Okem, B. Rama (eds.)]. Cambridge University Press. In Press.

[5] Idem.

Crédito das fotos: UNFCCC