Plataformas

Humanidades

Iyaleta é uma das apoiadoras na denúncia de contaminação por chumbo na cidade de Santo Amaro encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos

 

No último mês de 2022,  a Associação das Vítimas da Contaminação por Chumbo, Cádmio, Mercúrio e Outros Elementos Químicos da Bahia (AVICCA), apoiada técnica e cientificamente pelo Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado, Direito e Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e apoiada como sociedade civil pela Associação de Pesquisa Iyaleta apresentaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra o Estado Brasileiro sobre caso da contaminação ambiental no município de Santo Amaro da Purificação, distante cerca de 80km da capital baiana (Salvador).

O apoio da Iyaleta no processo se dá de forma técnica como sociedade civil e está associada à sua missão de poder trabalhar com aquilo que está configurado na dimensão dos direitos humanos. Segundo o pesquisador e geógrafo Diosmar Filho, a situação é um caso que já tem mais de 40 anos no Brasil e já rodou todos os processos dentro do sistema judiciário brasileiro e dentro de instância do legislativo federal, inclusive com a realização de uma CPI. “A ação inédita dessa petição cria um novo cenário de encaminhamento para o assunto, nesse novo cenário a Iyaleta passa a dar apoio para que as ações que vão ser desencadeadas nessa petição possam se realizar desde a pensar junto aos grupos de pesquisa da UFBA e junto a com a AVICCA como a ação pode ser monitorada na Comissão, mas também produzir novos materiais, novas pesquisas para ir atualizando o caso para realidade mais contemporânea”, destaca Diosmar Filho, que lidera a linha de pesquisa “Desigualdades e Mudanças Climáticas” na Iyaleta.

A denúncia é baseada em fato e material científico de mais de 40 anos de pesquisadores da UFBA do Instituto de Química, da Faculdade de Medicina, da Escola Politécnica, da Saúde Ocupacional e da Engenharia, que reúne informações detalhadas sobre um dos mais graves acidentes ambientais do mundo decorrente da contaminação de chumbo e outros metais, inclusive gases, conforme relata o diretor da Faculdade de Direito da UFBA, Julio Rocha.

“A atividade da Faculdade de Direito partiu do grupo de pesquisa da própria Faculdade (Historicidade do Estado, do Direito e Direitos Humanos: interações sociedade, comunidades e meio ambiente), do Projeto Centro Integrado de Direitos Humanos (CIDH) e também do Grupo de pesquisa Saúde, Ambiente, Trabalho e Sustentabilidade em comunidades. Assim propusemos um diálogo com cientistas que têm trabalhado há mais de 40 anos nesse tema, com aspectos científicos e jurídicos que embasaram a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que reconhecendo a admissibilidade pode notificar o Brasil, inclusive pode propor ação no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, ressalta Julio Rocha, que também é pesquisador sênior na Iyaleta.

 

Violação sistemática dos direitos humanos

A petição trata de uma contaminação ambiental e ocupacional que tem histórico de mais de três décadas em função das atividades industriais desenvolvidas pela Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), que contaminou a atmosfera, águas e solo do entorno de Santo Amaro com toneladas de escória contendo chumbo e cádmio e outros elementos potencialmente tóxicos. Mesmo após o fechamento da indústria em 1993, a violação sistemática dos direitos humanos se reflete em danos ambientais e sociais, uma vez que a contaminação por chumbo ou cádmio está associado à redução do crescimento, alterações no desenvolvimento psicomotor de crianças, diminuição do quociente de inteligência, diminuição da audição, elevação da pressão arterial, anemia, problemas renais, além de ser reconhecido como provável elemento cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo Adailson Pereira, presidente da Associação das Vítimas da Contaminação por Chumbo, Cádmio, Mercúrio e Outros Elementos Químicos da Bahia (AVICCA), a organização que foi fundada por antigos trabalhadores da fábrica de viu a necessidade de entra na Comissão Interamericana, após mais de quarenta décadas de direitos humanos negados. “Fomos contaminados por uma empresa francesa, que se instalou no nosso município, levou ouro e prata, e contaminou mais de mil pessoas, os que não morreram estão sequelados, centenas de pessoas sequeladas, a maioria dessas tem acima de 70 anos, onde nenhum deles ganham mais do que um salário mínimo e ninguém nunca sequer pediu desculpa a essa população”, revela.

Após o envio da denúncia, Adailson conta que a expectativa das famílias é de a justiça possa ser feita. “A indenização é obrigatória, mas a dignidade dessas pessoas não tem preço, por isso fomos à Comissão. Estamos muito entusiasmados. Foi uma documentação muito bem-feita, os professores se uniram, eu tenho certeza de que o Brasil será julgado. Eu acredito que vai valer a pena”, conta o presidente da AVICCA.

 

Racismo ambiental

De acordo com o pesquisador da Iyaleta e geógrafo Diosmar Filho, o caso de contaminação em Santo Amaro da Purificação se configura como um dos casos graves de racismo ambiental e de racismo institucional. “É uma violência atrás da outra e um silêncio diante daquela população que tem 40 anos fazendo denúncias para reivindicar direitos que não alcançam”, ressalta.

Mesmo depois de quarenta décadas as condições de saúde da população do município ainda são um ambiente de risco. “O certo hoje é que precisamos garantir os direitos que é responsabilizar a empresa e o estado brasileiro pelo abandono de escórias minerais que limitou as condições de saúde de uma população local, mas também pela poluição do solo e das águas da região, decorrente da contaminação ambiental que está lá”, reforça. 

A busca pela responsabilização do estado brasileiro também é o interesse do grupo de pesquisa da Faculdade de Direito da UFBA. “A denúncia é muito importante porque esse trabalho originado da Faculdade de Direito, foi um trabalho de verificar os requisitos de admissibilidade da denúncia pra Comissão Interamericana, as violações do Pacto de São José da Costa Rica, que o estado brasileiro está sendo responsabilizado, porque a atividade industrial ocorreu entre 1960 e 1993 e os efeitos continuam até hoje na saúde da comunidade. Então, é um dos mais graves casos de injustiça ambiental no mundo; uma população negra que foi diretamente atingida”, destaca Julio Rocha.

A denúncia integra as ações que a Iyaleta vai trabalhar dentro das suas três linhas de pesquisa, nas quais poderão ser realizados novos estudos e assim ajudar a fazer com que esse caso chegue para além da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, proporcionando maior evidência e incidência internacional para que se chegue a um julgamento de justiça para a população impactada.

 

 


Texto assinado por Juliana Dias, coordenadora de comunicação da Iyaleta