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A prevenção a desastres naturais em segundo plano no Brasil

[Matéria originalmente publicada no Nexo Jornal com autoria de Mariana Vick]


 

Início de chuvas de verão provoca estragos no Paraná, em Santa Catarina e em Sergipe. Desde 2013 governo federal reduziu investimentos na área, enquanto plano de adaptação para mudança climática não sai do papel

BOMBEIROS TRABALHAM EM RESGATE APÓS FORTES CHUVAS EM SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA, EM SANTA CATARINA | FOTO: CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE SANTA CATARINA/VIA REUTERS – 30.NOV.2022

Com o início das chuvas de verão no fim de 2022, cidades do Paraná, de Santa Catarina e de Sergipe registraram alagamentos, deslizamentos e formação de crateras em rodovias por causa do aumento do volume de água registrado nesses locais desde segunda-feira (28).

Eventos desse tipo são recorrentes nas estações chuvosas no país. Entre 2021 e 2022, chamaram a atenção desastres na Bahia, em Minas Gerais e na cidade de Petrópolis (RJ) agravados pela mudança climática. Apesar disso, a prevenção ao problema recebe pouca atenção, e o verão que se estende até 2023 deve ser marcado por novas fatalidades.

O Nexo explica o quadro de desastres naturais no país e quais são as medidas que o poder público pode adotar para preveni-los. Mostra também de quem é a responsabilidade por cada tipo de ação e por que elas costumam ficar em segundo plano no Brasil.

 

O quadro de desastres no Brasil

Segundo documento publicado em 2022 pelo Ministério do Desenvolvimento Regional junto com outros órgãos e instituições, o Brasil teve de 1991 a 2020 cerca de 63 mil ocorrências de desastres em quase todos os seus municípios (5.182 de 5.568), causados por chuvas intensas, estiagens, vendavais, erosões, ondas de frio, entre outros.

DESLIZAMENTO DE TERRA NA RODOVIA FEDERAL BR-376 APÓS FORTES CHUVAS EM GUARATUBA, NO PARANÁ | FOTO: GOVERNO DO PARANÁ/VIA REUTERS – 29.NOV.2022

Os desastres são classificados dessa forma quando registram perdas humanas, materiais, econômicas ou ambientais por causa de um evento natural, segundo o documento. Em quase 30 anos, os 63 mil desastres registrados no Brasil resultaram, entre outros impactos, em:

4.307

mortes de atingidos

7,8 milhões

de pessoas desabrigadas e desalojadas

3 milhões

de habitações destruídas ou danificadas

R$ 18,3 bilhões

em prejuízos ao ano para pagar danos materiais

Desastres desse tipo ocorrem há décadas no Brasil, principalmente na época das chuvas de verão, por causa de problemas crônicos de planejamento urbano, habitação, saneamento e infraestrutura criados no momento da formação das cidades do país.

Esse tipo de evento tem chamado mais a atenção, no entanto, no contexto da mudança climática. Segundo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) de 2021, eventos climáticos extremos — como chuvas, secas ou incêndios florestais — têm aumentado em frequência e intensidade por causa do aquecimento global. A tendência é a situação piorar se medidas mais eficazes de combate à mudança climática não forem tomadas.

Diversos países têm registrado desastres ambientais severos nos últimos anos, incluindo o Brasil. Em 2022, em Petrópolis (RJ), chuvas em uma escala inédita na cidade causaram 238 mortes. Os temporais foram os mais intensos em 90 anos, segundo ambientalistas.

2 vezes

foi quanto a ocorrência de desastres relacionados ao clima aumentou no mundo em 20 anos, segundo documento do Ministério do Desenvolvimento Regional

 

O que pode ser feito para prevenir

ALERTAS

Apesar de serem recorrentes, os desastres vistos no Brasil podem ser prevenidos. Entre as medidas que o poder público pode adotar, está a criação de sistemas de alertas de eventos climáticos extremos, para evacuar pessoas das áreas atingidas e evitar perdas humanas.

HABITAÇÃO

O poder público também pode mapear áreas de risco (como áreas sujeitas a deslizamentos) antes mesmo dos sinais de eventos extremos em uma cidade, e planejar o reassentamento de moradores desses locais. Pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade estão entre os principais habitantes de áreas desse tipo.

INFRAESTRUTURA

Além da realocação dos moradores, o poder público também deve elaborar projetos que prevejam obras de infraestrutura e de prevenção, como canais de drenagem, obras de contenção de encostas, e projetos de reconstrução de matas ciliares (que ficam nas margens de rios) para evitar casos de enchente e deslizamento.

 

Quem adota essas medidas

Essas medidas de prevenção de desastres estão previstas em diversas políticas públicas, com destaque para a Polícia Nacional de Proteção e Defesa Civil, criada pelo governo federal em 2012 para evitar eventos desse tipo e também agir quando eles ocorrerem.

Segundo o texto, a responsabilidade por essas medidas deve ser dividida entre diferentes níveis de governo: municipais, estaduais e federal. Quando uma área é ou está para ser afetada por um desastre natural, ela recebe prioridade da defesa civil de todos esses governos.

Embora a responsabilidade seja compartilhada, a maior parte do financiamento dessas medidas — mesmo as que são executadas pelos municípios — vem do governo federal. Segundo Henrique Frota, coordenador-executivo do Instituto Pólis, a maioria das cidades brasileiras não tem estrutura institucional ou financeira para essas políticas, que exigem grande volume de investimentos.

“[O município] é o ator local, que está próximo da população e é o primeiro que pode chegar para dar assistência no momento do desastre. Mas, do ponto de vista financeiro, a União e os estados têm um papel mais importante, que os municípios muitas vezes não conseguem ter”, disse ao Nexo.

 

Os cortes de recursos para prevenção

Apesar de serem consideradas cada vez mais importantes no contexto da mudança climática, as políticas de prevenção de desastres naturais recebem pouco investimento dos governos, incluindo o governo federal. Segundo levantamento do início de 2022 da Associação Contas Abertas, os recursos para essas áreas têm caído desde 2013.

QUEDA

Em 2023, o valor pode cair ainda mais, se forem mantidas as quantias que estão na proposta de Orçamento apresentada pelo governo Bolsonaro ao Congresso. O Ministério do Desenvolvimento Regional reduziu os recursos de obras emergenciais de mitigação para redução de desastres de R$ 2,8 milhões para R$ 25 mil. Para a execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas, a redução foi de quase R$ 54 milhões para R$ 2,7 milhões.

Frota atribui os cortes à crise fiscal e econômica que marcou os últimos anos e resultou em medidas como o teto de gastos de 2016, que limitou investimentos. “Houve um estacionamento não só da prevenção de riscos, mas da política habitacional, de saneamento e de infraestrutura”, disse.

FAMÍLIA PASSA DE BARCO POR RUAS INUNDADAS EM ILHÉUS, NA BAHIA | FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 29.12.2021

Outro fator é político, segundo ele. “Falta prioridade do governo federal em relação à população afetada [pelos desastres naturais], que é uma população pobre, com padrão de moradia precário, negra”, afirmou. “Não existe compromisso do governo com essas pessoas.”

Diosmar Filho, pesquisador do Instituto Iyaleta, que faz estudos sobre a mudança climática no contexto da Amazônia Legal, disse ao Nexo que, além da política de Defesa Civil, o Brasil deveria ter um plano de adaptação climática (ou seja, adaptação para os impactos da mudança do clima, como o aumento de desastres). Em 2016, o governo federal elaborou um texto sobre o tema, mas ele não saiu do papel.

“Esse plano de adaptação está na gaveta do governo federal e não chega para os municípios e governos estaduais como uma política a ser implementada. […] Calculamos dinheiro para chuvas, não para políticas que entendam que a emergência climática se estabeleceu” – Diosmar Filho, pesquisador do Instituto Iyaleta, em entrevista ao Nexo

Além de retomar investimentos para instrumentos como os sistemas de alerta de desastres, o pesquisador defende a criação de novas políticas locais de adaptação à mudança do clima, que podem estar previstas nos planos diretores das cidades, por exemplo.

Essas discussões têm sido tratadas no governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente em outubro pelo PT. Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para a coluna Radar, da revista Veja, o cenário orçamentário identificado pelo grupo de trabalho do Desenvolvimento Regional “é alarmante”.

Para Filho, os principais impactos da falta de uma política de prevenção de desastres são humanitários. Estudo do Iyaleta mostrou que, de 2015 a 2021, a quantidade de pessoas afetadas por extremos climáticos (incluindo mortes) subiu 3.000% no Rio Grande do Norte e quase 1.000% no Amapá.

Frota também falou nos prejuízos econômicos, tanto por causa das perdas materiais causadas pelos desastres quanto pela paralisação da atividade econômica. “As chuvas de verão são inevitáveis. Quando se soma a isso a falta de investimento e de uma política de prevenção, viram tragédias anunciadas”, disse.