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Desigualdades Zero: Ambições Pós-COP27

[Artigo escrito por Diosmar Filho, Andrêa Ferreira e Ananda Ridart e publicado originalmente na Revista Gama]


Estudo da Associação de Pesquisa Iyaleta com análises socioespaciais sobre desigualdades e mudanças climáticas aponta para realidade de emergência climática, que não pode seguir silenciada pelas nações desenvolvidas

 

Chegamos ao final da 27ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP27), a maior instância de negociação de políticas climáticas, que se realizou no continente africano neste mês de novembro, na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito, com o compromisso da presidência daquele país de efetivar a COP da “implementação” dos acordos silenciados desde Paris, em 2015, tornando-a “a COP da ambição”.

Não se pode negar que a chamada pela “implementação” teve como fundo a intenção de responder às nações em desenvolvimento e empobrecidas pelo que podemos chamar de “frustações” com o Pacto Climático de Glasgow da COP26, em 2021. O pacto das nações desenvolvidas pautado nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, da sigla em inglês) avançou nas relações bilaterais, estruturando o neocolonialismo do carbono.

A posição de António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), solicitando a aprovação de “máximas ambições” pelos negociadores, e a apreensão do presidente da COP27, o chanceler egípcio Sameh Shoukry, em não concluir a cúpula com números de aprovações pendentes, “incluindo mitigação financeira, adaptação, perdas e danos e suas interligações”, demonstrou a preocupação de que não se poderia avançar com o Acordo de Paris mantendo em silêncio o Artigo 7, sobre adaptação (objetivos, metas, planos nacionais, financiamento e transparência). E não se poderia sair sem algo concreto para financiamento e regulamentação de mecanismos de perdas e danos, agenda liderada pela Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, na sigla em inglês).

Era preciso reconhecer a necessidde de definir financiamento para adaptação e para reparação de perdas e danos

Em compromisso com as ambições do alcance da meta global de redução do aquecimento do planeta em 1,5ºC até 2030, o grupo africano, o G-77 mais a China, os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e o grupo dos países menos desenvolvidos, pautados pelo Sexto Relatório de Avaliação (AR6) de Adaptação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2022), fortaleceram o alerta de alta confiança que a redução das vulnerabilidades e da pobreza são grandes desafios para a governança climática reduzir o aquecimento global, conforme as NDCs de 2025 e 2030, mas era preciso reconhecer adaptação, perdas e danos e financiamento efetivo climático.

A Associação de Pesquisa Iyaleta está sistematizando dados para alcançar a materialidade do alerta do IPCC, com o objetivo de ilustrar os impactos e efeitos dos eventos climáticos, que aumentam secas, inundações e tempestades no Sul Global, em dados preliminares*:

O aumento da seca: afetou entre 2003 e 2004, na África do Sul, 15 milhões de pessoas; entre 2010 e 2011, na Somália, 20 mil pessoas morreram; em 2009, na Nigéria, prejudicou 7,9 milhões de pessoas; e em 2014, no Brasil, foram 8,8 milhões de pessoas afetadas. O aumento das inundações: no Peru, em 2017, impactou 1,6 milhões de pessoas; na Colômbia, em 2010, 418 morreram; e em 2013, na Indonésia, foram 67 mil pessoas afetadas. E o aumento das tempestades: entre 2006 e 2013, nas Filipinas, morreram 11.538 pessoas; no Mianmar, em 2008, morreram 138.366 pessoas.

Os dados comprovam que a adaptação é a medida necessária e um desafio às nações em desenvolvimento, aos países insulares em desenvolvimento e aos territórios menos desenvolvidas. A realidade é de emergência climática, que não pode continuar a ser silenciada pelas nações desenvolvidas.

A realidade é de emergência climática, que não pode continuar a ser silenciada pelas nações desenvolvidas

Diante do programa do Grupo de Trabalho do Comitê de Adaptação (2022-2023) para os Objetivos Globais de Adaptação (GGA), a Iyaleta lançou o Sumário Estratégias para Planos Nacionais de Adaptação: um caso Brasil, no Brazil Climate Action Hub, durante a COP27. Sob liderança dos autores deste artigo, o estudo apresenta análises socioespaciais sobre desigualdades e mudanças climáticas, com dados socioeconômicos, de base territorial e das condições de saúde, intersecionados com determinantes étnico-raciais, de gênero e territorial dos estados e das capitais das regiões Norte e Nordeste.

Com evidências profundas de como as mudanças do clima nas condições extremas e de exposição têm impactado as populações urbanas nas cidades e capitais das regiões, com alerta para a revisão do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (2016), do governo federal, prevista para 2023, a meta zero não pode ser pela manutenção das desigualdades urbanas, ela deve ser a prevenção dos impactos e efeitos das mudanças climáticas em compromisso com a redução do aquecimento em 1,5ºC até 2030.

Segundo a pesquisa, a “proporção de população urbana vivendo em assentamentos precários e informais ou em domicílios inadequados – em 2010, nos estados do Norte e Nordeste, as condições de vulnerabilidades urbanas já eram duas vezes maiores que a média nacional, que, na época, era de 41%” –, com destaque para as condições das populações nos estados de Rondônia e Alagoas. Entre 100 mil habitantes, o número de pessoas afetadas e mortas pelos desastres naturais no país, em 2015, ano da assinatura do Acordo de Paris, e em 2021, data do Pacto Climático de Glasgow, na COP26, teve um aumento exponencial acima de 300%. O que mostra a ineficiência da adaptação nas regiões Norte e Nordeste, somada à negligência do governo federal com o desmatamento e com as queimadas nas florestas da Amazônia, na Caatinga, no Cerrado, na Mata Atlântica e no Pantanal.

As negociações avançaram, e a COP27 aprovou, em plenária geral, o Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, com a criação do Fundo de Perdas e Danos, como medida urgente para alcance dos países em profunda vulnerabilidade e consolidou a adaptação como ações estratégica da Convenção do Clima em todas as suas instâncias.

Assim, é preciso cuidado ao falarmos dos resultados da COP27 para não determiná-la como “frustrada”, sem análises da atuação das partes no G77 com apoio da China, que foram à mesa exigir das nações desenvolvidas o depósito dos US$ 100 bilhões anuais nos fundos climáticos. Não se pode mais sacrificar as populações em insegurança climática global.

Não podemos chamar a COP de ‘frustrada’ sem analisar a exigência de depósito de US$ 100 bilhões anuais das nações desenvolvidas nos fundos climáticos

Por fim, o resultado da COP da implementação não pode ser menosprezado no campo das agendas climáticas do Brasil. O alcançado no campo da adaptação precisa ser estratégia para governança climática pelos governos federal, estaduais, distrito federal e municípios, para se capacitarem no acesso ao Fundo de Adaptação, promovendo as capacidades de financiamento, revisão e elaboração dos planos de adaptação nacional, subnacionais, setoriais e locais.

*Fontes para a pesquisa: Cred Crunch Newsletter, edição 56 (novembro de 2019) – Disasters in Africa: 20 Year Review (2000-2019)WMO Atlas of Mortality and Economic Losses from Weather, Climate and Water Extremes (1970–2019)After the storm: one year on from cyclone IdaiNatural Disasters in Latin America and the Caribbean, 2000-2019 e Peru: Floods and Landslides (2017).

 


Diosmar Filho é geógrafo, doutorando em geografia pela Universidade Federal Fluminense e pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta. Foi observador da COP27. Andrêa Ferreira é epidemiologista e pós-doutoranda do Ubuntu Center, da Drexel University, nos EUA. Também é pesquisadora colaboradora do Cidacs/Fiocruz-BA e pesquisadora da Associação de Pesquisa Iyaleta. Foi observadora da COP27. Ananda Ridart é jornalista e cientista política, com mestrado em ciência política pela Universidade Federal do Pará. É pesquisadora associada da Associação de Pesquisa Iyaleta. Foi observadora da COP27.