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Artigo Diosmar Filho: COP 26 – a corrida pela descarbonização tem que combater o racismo e as desigualdades

“É, “tamos” aqui todos reunidos na luta, no direito do nosso povo, da nossa gente e da nossa água em primeiro lugar, que era pra eu falar primeiro da nossa água, porque água é vida. Água é mãe, e água é produção, e água é saúde para todos”.

Dona Maria José (Quilombola São Francisco do Paraguaçu do Bouqueirão, Cachoeira-Ba)[i]

 Diosmar Filho[1]

A partir de 1º de novembro a sociedade global se reunirá em Glasgow (Reino Unido) para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26). E o tema central da reunião é a descarbonização (RaceToZero) do planeta por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Nesse processo será fundamental debater a desnaturalização do tema nos perguntando: Qual meio ambiente que defendemos e nos une como humanidade?  E quais sãos os impactos e as dimensões das mudanças climáticas que precisamos combater?

Tais questões são necessárias para conhecer e reconhecer as condições desiguais que humanamente vivemos no espaço global. Vidas e formas sobrevivem nas cidades e no campo nos últimos 521 anos sob os impactos da apropriação e exploração dos recursos naturais que nos colocou numa crise climática ou na crise humana diante das dimensões do clima.

Nesse momento, estamos diante do clima em constante mudança num espaço e tempo não vistos antes e de forma desigual sofremos os impactos das mudanças que ocorrem justamente sobre as cidades – os territórios armazenadores das explorações dos recursos naturais, acumuladores do que se estruturou monetariamente como “meio ambiente”. Sobre a égide do meio ambiente normatizado, os governos e empresas avançaram sobre terras, florestas, águas, minérios e as vidas invisíveis, para o sucesso do que a carbonização estruturou: o capital.

Diante de tal situação numa conferência global, a centralidade importante será a unidade pela descarbonização do planeta através de políticas sustentáveis nas cidades, no campo e nas florestas. Mas, não podemos desconsiderar que as Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) apresentadas pelos Estados e Governos em respeito ao Acordo de Paris (2015) para a descarbonização serão financiadas pelo mesmo capital que carboniza e produz desigualdades. Dessa maneira, as ambições a serem assinadas pelos Estados, empresas (nacionais e transnacionais) e sociedade civil global precisam enfrentar, combater, reconhecer o racismo e as desigualdades nas cidades contemporâneas causadas pela carbonização (conferir a publicação Desigualdades Urbana e de Gênero em Tempos de Mudanças Climáticas: Uma Análise Socioespacial de Rio Branco- AC).

É o que nos colocará em reconhecimento dos estados raciais mantenedores das políticas de exploração de bens ambientais, normatizados como recursos naturais necessários para limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C com a redução das emissões líquidas de dióxido de carbono (CO²), chegando a zero na média entre 2050 e 2052, uma ambição que não pode ser essencialmente econômica, precisa ser humanitária! (conferir a publicação Haiti é o país com maior número de mortes por catástrofes naturais, diz ONU )

As NDC’s acordadas na COP 26 controlarão e reduzirão as ações criminosas no desmatamento da floresta Amazônia no Brasil, mas as grandes ambições serão nos territórios urbanos onde vivem as populações impactadas pelos efeitos das mudanças do clima com as temperaturas extremas, cheias, chuvas e desastres naturais e falta de políticas públicas de segurança climática, tomadas pelas  desigualdades e violências contadas nas lonas pretas (convido a leitura do artigo Lágrimas negras: águas frias avançam para Salvador”).

Ou seja, os desastres naturais nas cidades são as mudanças climáticas e é preciso reconhecer esses eventos como crise climática humanitária, diante do período mais acentuado de ocorrências diante da alta expropriação mineral e produção de energia, para a cimentização dos territórios urbanos, naquilo que o professor Milton Santos chamou de mundialização perversa das formas desiguais.

Os últimos cento e vinte anos são marcados pelo que se estruturou em escala global: a economia baseada na carbonização do planeta e aqui estamos diante dos seus efeitos. Em países como o Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, em 2018, estimava a população autodeclarada negra em cerca de 56%, mais de 52% são mulheres negras e mais de 60% vivendo nas cidades em aglomerados subnormais, baixadas, periferias, favelas ou palafitas.

As dimensões da crise climática brasileira não podem ser desvinculadas dessas desigualdades e do que transformamos como capital: o recurso natural. Pensado e gerido para atender as demandas humanas nas leis ambientais e econômicas para o desenvolvimento perverso.

Os impactos produzidos no século passado pela industrialização, urbanização e a financeirização da economia à base de carbono, nem o Estatuto das Cidades em celebração de 20 anos de regulamentado, foi capaz de produzir algo maior que tirasse as cidades da urbanização das desigualdades, as políticas públicas de ordenamento territorial urbano impactaram as cidades e o campo, pelo seu determinante racial. Por isso estamos vivendo a crise climática humanitária!

A crise é do sistema mundo e os impactos são sobre povos e sociedades, pela poluição das águas, da terra, do ar, do desmatamento, mineração e da indústria petroquímica. E a descarbonização não poderá ser em bases de acesso do Norte Global carbonizado em remix sobre o Sul Global em colonização (conferir a publicação Moçambique atingido por segundo ciclone. Este é o maior de sempre).

As cidades do Sul ao Norte estão marcadas pelo urbanismo à base de carbono que se manifesta na segregação espacial determinada por grupos raciais brancos, impactando com políticas públicas da ausência de infraestrutura e insegurança na crise climática humanitária os lugares de vida da população negra e povos indígenas. E NDC‘s aprovadas na COP 26 precisam atender as dimensões humanas da humanidade, para que as formas de limitar o aquecimento do planeta e zerar emissão de carbono nos coloque na defesa do estado de coisas humanitárias.

Por fim, que as possibilidades nos levem a aprovação do estado de coisas de combate as cidades racializadas na Amazônia Legal e nas Regiões Metropolitanas brasileira, produzindo na descarbonização direitos ambientais e de vida aos povos originários, a população negra diaspórica e demais populações racialmente oprimidas na América, na África e Ásia, sobreviventes das atuais desigualdades num mundo que a ambição seja reconhecer a humanidade da natureza no planeta.

 


[1] Geógrafo. Doutorando em Geografia no Pósgeo/UFF. Mestre em Geografia pela UFBA. Pesquisador IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades. Coordenou o projeto piloto “Mudanças Climáticas em face do Reconhecimento dos Territórios Negros” da ABPN (2020-2021). É pesquisador e coordena o projeto “Amazônia Legal Urbana – Análises socioespaciais de Mudanças Climáticas 2020-2022”, realizado pela IYALETA apoio institucional do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Tem como áreas de conhecimento: Geopolítica, Ordenamento Territorial, Desigualdade Racial, Território Quilombola, Política Pública e Mudanças Climáticas. Contato: ptilho@gmail.com

 

[i] BAHIA. Anais do Seminário Justiça Ambiental pelas Águas: As Águas Não Têm Cor. Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ), 2008 . Disponível em: https://www.academia.edu/7019760/Anais_I_Semin%C3%A1rio_Justi%C3%A7a_Ambiental_pelas_%C3%81guas_As_%C3%A1guas_n%C3%A3o_tem_cor Acesso em: 27.09.2021